Heloísa tem o cabelo curto, usa óculos grandes e vai para a faculdade usando galochas. Sabe como é, sempre chove em São Paulo. Ela chega com o cardigã meio molhado, sacode a água da sua maleta cheia de livros e um estojo e sobe as escadas para a primeira aula.
Como sempre, as meninas de Moda as olham dos pés à cabeça. Principalmente dos pés. Galochas amarelas? Heloísa finge que não vê e nem ouve os sussurros incessantes. Sorridente, continua andando. É a única da faculdade que fala “boa noite” ao faxineiro, que esboça o único sorriso do dia exclusivamente para ela.
Andando pelo corredor gelado da faculdade, Heloísa percebeu que a maioria dos alunos usava fones de ouvido e não conversava com ninguém. Claro que ela mesma gostava de música, mas preferia cantar com seus amigos da sua cidade natal. Tinha um MP3, mas usava no seu quarto antes de dormir, só pra relaxar um pouco. E de dia, enquanto enfrentava o trânsito até o estágio na biblioteca, tentava ouvir se, no meio de tantos carros, existia algum passarinho. E procurava flores, também, onde só havia concreto. De vez em quando, ela achava.
Faltavam alguns minutos para a aula começar, então Heloísa sentou-se na carteira de sempre: a segunda da terceira fileira. Tirou da sua maleta seu livro favorito e começou a ler, sentindo que as palavras a protegiam a cada frase lida. Aquele livro era o seu favorito de sempre, tipo aquele sapato que você quer usar sempre e de qualquer jeito, que já foi com você para todos os cantos. O livro estava um pouquinho amassado na capa, mas Heloísa sempre cuidava dele com muito carinho.
Seus colegas de sala foram entrando. Alguns a viam e diziam “boa noite” (alguns, tipo, quatro em uma sala de quarenta), alguns passavam reto e alguns olhavam para o livro dela e riam.
– De novo esse livro, Menina da Galocha? Cresce logo! Vai ler alguma coisa diferente, alguma coisa mais culta!
Não é que Heloísa não lia outros livros. Na verdade, ela tinha uma infinidade deles espalhados pelo seu apartamento. Mas ela gostava mais daquele. Gostava tanto que queria lê-lo todo dia.
– Você já leu esse livro? – Heloísa sorriu e perguntou, ignorando a frase dita – É ótimo, acho que você ia adorar.
– Esse seu livro babaca? Qual é, nunca perdi meu tempo nem lendo a sinopse! O dia que você ler um dos que leio, merecerá algum respeito.
Enquanto a pessoa ia embora rindo, Heloísa se sentiu confusa. Para ela, ler era como trocar figurinhas: um indica um livro para o outro e troca ideias. Mas não se faz troca com uma só pessoa. Preferiu se calar. Logo o professor entrou na sala, cumprimentou a menina e passou a matéria na lousa. Mais tarde, naquela quarta feira, metade da faculdade seguiu para a balada que tinha por ali, mas Heloísa preferiu ir para casa, dormir cedo para ir de bicicleta ao trabalho no dia seguinte. Quem sabe não ouvia um pássaro cantar…
É certo que o tempo voa. Heloísa terminou sua faculdade de Biblioteconomia na Inglaterra, ficou morando por lá em um apartamento que dividia com o noivo inglês e com um gato. Enquanto isso, outros ficaram para trás, mais preocupados em cuidar da vida dos outros do que sorrir.
Mariana